segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Charlie Parker

O habito nao sera em primeira instancia recurso de estilo nem tao pouco tera sido criado com essa pretensao em mente. E’ recurso de vida e na vida constroi as suas bases. Sobre ele e a proposito inicial de ser referir aos quartos que habitara ao longo da vida dizia Proust tratar-se de “acomodador habil mas muito lento e que começa por deixar que o nosso espirito sofra durante semanas numa instalacao provisoria mas que apesar de tudo o nosso espirito fica feliz por encontrar porque se não fosse o habito e reduzido exclusivamente aos seus proprios meios seria impotente para nos oferecer uma casa habitavel”. Julgo que ele nao se tera debrucado sobre o que se segue provavelmente outros o haverao feito mas eu que por estes dias tenho o tempo necessario para tal mais agora que durante uma semana nao irei querer ouvir falar de futebol decidi faze-lo. Afinal quem sera que vai ao encontro de quem na parte do habito que nos e’ essencial? Quando as situacoes sao realmente relevantes. Sera o habito que vem de modo celere ao nosso encontro e em nosso auxilio? Seremos sempre nos a ir ao encontro dele? Havera antes um encontro de vontades percorrendo cada um dos dois intervenientes uma parte de um caminho tao grande quanto a gravidade da situacao a tal tamanho obrigue? Terei de pensar bem acerca disto. Tentarei não o fazer da forma habitual.
Porem uma coisa e’ certa quer estejamos em presenca de habitos essenciais quer estejamos em presenca de outros nao tanto. Ainda que possamos pensar de forma habitual ou outra qualquer levados distraidamente pela premissa de que habito e vicio vivem em ruas parelas do Bairro Alto que na rua do habito somos nos que estamos em controlo da situacao a verdade a minha pelo menos e’ que nao estamos. Somos o pajem do habito e nao ele o nosso. Gosto pouco disso eu. Habituei-me a não olhar. Fui eu quem assim o quis. Foi um habito que não se me apresentou mas que primeiro procurei e depois quase em seguida e com uma naturalidade pouco comum das habituacoes dificeis apreendi. Achei do alto do cargo de presidente do conselho de administracao de mim proprio e por varias ordens de razoes que era uma ideia com sentido e pernas para andar. Achei tambem e reportando-me novamente a questao do controlar ou nao controlar as coisas que seria igualmente de extrema utilidade sendo eu alguem que alterna entre toda a tranquilidade do mundo e tranquilidade nenhuma. Para que olhar vezes sem conta as mesmas coisas? Ao fim de um dado numero variavel de observacoes mas imensamente distante de infinito os perfis vao-se tornando uniformes. A dada altura mesmo que não se saiba com exactidao do que se trata ja se sabera com elevado grau de certeza quais as hipoteses com um minimo de plausibilidade. Podia assim usar-se esse tempo em que de outra forma nos repetiriamos sistematicamente para fazer pensar e sentir outras coisas. E com isto alguem passivel de ser confundido por vezes com um morto-vivo acabaria por viver mais. Talvez nao melhor mas mais certamente. Acontece que Proust diz tambem que “talvez a imobilidade das coisas a nossa volta lhes seja imposta pela nossa certeza de que sao elas e nao outras, pela imobilidade do nosso pensamento diante delas”. Apesar das incontaveis vezes em que por decerto estava certo a certeza hoje e’ que andei errado e a errar durante muito tempo. Nao menos verdade do que a anterior é também a constatacao de que se muitos desses erros foram totalmente inofensivos para outros enquanto a mim me lesavam de forma minima a verdade e’ que pelo menos alguns tera havido em que o resultado tera sido muitissimo mais gravoso e dizendo isto desta forma julgo estar em condicoes de poder afiancar que acabo de alcancar um marco eufemico na minha escrita. Algo que tinha comecado de forma e com uma motivacao seria acabara por se tornar tambem em algo ludico. Não olhando por definicao fazia em relacao as mais variadas situacaoes apostas comigo mesmo no sentido de antecipar o que iria suceder naquele instante ou naquele ano que se seguiria usando os olhos apenas o numero de vezes estritamente necessarias para validar as respostas. Nunca antes deste momento me tinha ocorrido pensar no que podera realmente advir do facto de alguem jogar consigo proprio para alem do ja admitido habito de o fazer. Tenho ainda o habito de misturar as coisas mais e menos serias umas com as outras numa tentativa de confundir os outros e assim recuperar algum do controlo perdido por outras vias. Resultava por isto tambem em nao raras ocasioes e ao inves do que sucedia quando jogava futebol que acabava tambem por me confundir a mim proprio no tocante ao lugar que as mais diversas coisas teriam numa escala de importancia. Poderia agora falar-vos de toda uma serie de situacoes exemplificativas e representativas deste erro crasso de que vos venho falando mas se continuo a escrever a este ritmo não tardarei a ter escrito um primeiro livro e isso e’ algo que devera ser impedido a todo o custo. Assim sendo escolhi apenas um acontecimento relacionado com um tema que me e’ particularmente proximo. A esta altura estarao certamente algumas pessoas perfeitamente identificadas mas cujas identidades me escusarei a revelar a pensar que e’ finalmente chegado o momento de vos falar de mulheres. Enganam-se os elementos da minha quadratura. Pode parecer paradoxal mas se ha coisa que tenho bem presente por estes dias e’ a frase “the whispering may hurt you but the printed word might kill you” cantada por Morrissey. A minha mae não o sabe e provavelmente nao acreditaria mas ha coisas que so precisei de ouvir uma vez na vida. Mas retomando entao porque nisto de escrever ha que nao perder a nocao de que e’ mais facil abrir portas do que fecha-las. O tema sera a ornitologia e o acontecimento que foi em abono da verdade o que despertou o meu debrucar sobre tudo isto foi o seguinte. Vivo na mesma zona de Lisboa vai ja para tres anos. Ao longo deste tempo não tera sido pouco comum assistir por la aos mais diversos por vezes caricatos outras vezes criticos episodios. Bastantes vezes ali na esquina da Carvalho Araujo com a Morais Soares ouvi alguem assobiar do alto de algum dos predios ali situados. Se a maioria das vezes um rapido vislumbrar e me parecia certo quem seria a destinataria de tais demonstracoes recordo agora que pelo menos uma ou duas vezes terei colocado a hipotese de ser minha a atencao que o assobiador estaria a tentar disputar. Porem a minha atitude tinha sido sempre imutavel. Ignorar. Sucede no entanto que no outro dia ao sair de casa manha cedo para comprar o pequeno almoco que havia negligenciado na lista de compras do dia anterior e no momento em que era assolado pela consciencia de haver pago naquela madrugada seiscentos escudos por uma imperial mal tirada e que havia passado incolume apenas pelo sentimento de que a culpa não e’ das jogadores mas sim do treinador que as coloca a jogar dei por mim revestido da vontade ferrea de por uma vez ser protagonista de um filme chileno (de Praca do Chile) e fazer pagar o energumeno pelo pecador. Travei a marcha e nao descansei ate identificar o autor dos silvos. Havia durante todo aquele tempo que antecedera aquele momento imaginado como responsaveis ou responsavel todo o tipo de animais vertebrados pulmonados e de sangue quente. Porem a verdade foi inesperada. O animal que estava afinal em causa tinha a juntar as caracteristicas atras mencionadas uma outra particularmente evidente. O corpo revestido de penas. Era um corvo. Eu? Eu sou apenas um ornitologo experimentado que criou maus habitos.

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